Pavlov
Meu irmão veio me trazer de volta de Sobradinho. Minha irmã pediu. Achei desnecessário, mas, enfim, não é sempre que tenho essas mordomias à minha disposição então eu aceito.
Ele me ligou e acabou me dizendo que eu sempre levo pra um lado negativo o que ele diz.
Talvez seja verdade.
Ele me exaspera porque precisa de mim. Ninguém parece precisar de mim. Acho que ninguém nunca realmente precisou de mim. Não estou me referindo a favores. Estou falando daquela necessidade, aquela necessidade específica que somente eu, somente eu, eu poderia resolver, ninguém mais. Sim, tem os meus amigos, mas, eles têm outros amigos, eu não sou a única amiga de ninguém. Não há nada que eu faça que outra pessoa não poderia estar fazendo. Inclusive pra Ele. Ele não precisa de mim. Eu preciso Dele. Preciso de cada um dos meus amigos e até dos meus irmãos e sobrinhos. Preciso que eles estejam onde estão, vivendo suas vidas. Preciso desesperadamente saber que eles existem. Só isso. Porque é difícil saber, às vezes, o que existe e o que não existe. Ele existe? Talvez. Talvez sim, talvez não. Talvez seja só mais um dos personagens que eu criei pra aliviar o tédio e a tensão da minha vidinha. Talvez eu sempre dê uma determinada interpretação ao que Ele diz porque é a contra-partida, atacar pra me defender Dele, ainda que Ele seja apenas fruto da minha imaginação descontrolada, neurótica, asmática.
Talvez eu tenha inventado as flores, as palavras, tudo, até os desentendimentos. Porque com Ele minha vida definitivamente é diferente do que vinha sendo e até os desentendimentos me fazem sentir mais viva do que há dois meses atrás. Mas eu estive acostumada a um padrão de comportamento masculino que não consigo superar e isso interfere na maneira como eu vejo o mundo, como eu O vejo... Depois do último triste fim, é difícil não admitir que os danos foram muito profundos e que as coisas que o último me disse parecem ter-se enraizado no meu cérebro, interferindo de maneira tão sombria e sempre desmerecedora na minha leitura dos outros e de mim mesma.
Tanta gente duvidou de mim a vida inteira, tanta gente que deveria me amar me menosprezou e me fez sentir mínima, infeliz e inadequada... Como não lançar este mesmo olhar depreciativo nos outros, Nele? Como acreditar que alguém não está me dizendo o pior quando ouvir o pior é a minha tendência “natural”? Como?
Se Ele é mais uma criatura da minha cabeça ou não, pouco importa, o que importa é que sua voz tem um coro de muitas vozes anteriores, vozes que me machucam até hoje. Ele não está sozinho na minha cabeça e nem no meu coração. Isso não é uma lástima?
Gostaria de simplesmente poder esquecer boa parte das pessoas que conheci, mas acho que se isso fosse possível a vida não seria vida, não concretamente, não de verdade, seria apenas uma seqüência de páginas em branco, sem conexões e sem aprendizado porque uma coisa não posso negar: o sofrimento educa. Da pior maneira, mas educa.
Sou um cão de Pavlov respondendo ao condicionamento que outros fizeram comigo.
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