Meu Dia Internacional da Auto-Comiseração
“...aquela esperança de tudo se ajeitar, pode esquecer...”
Ah, meus senhores, eu já estava chorando antes de ouvir essa seqüência (atrás da porta+trocando em miúdos) que a rádio câmara preparou pra destruir o que me sobra dos nervos...
Hoje é o Meu Dia Internacional da Auto-Comiseração. É um feriado de data móvel, na verdade, a data é multiplicável, ela se expande durante sobre os dias do ano, como uma ameba...
Estou naquela (continuo me perguntando se algum dia eu saí...) de não querer falar com ninguém, não querer sair, não querer tomar banho, faxinar, costurar, ler, comer, nada. Eu não deveria ter saído ontem, só me fez sentir mais miserável e só. Eu mencionei o fato de ter saído no meio do forró pra dormir no carro da minha amiga? Sei lá, meus senhores, me senti sobrando, inadequada, inútil e fora do contexto ali. Totalmente fora daquele contexto. Mas, afinal, qual é o meu contexto? Qual é o meu lugar? Onde eu pertenço? Onde?
Continuando a seqüência destruidora de nervos, na rádio câmara: Portishead. Claro. Tô tomando suco de laranja. Eu sei que, de estômago vazio, isso não me faz bem, mas eu não estou num dia de me fazer bem, de qualquer forma.
Pensamento recorrente: como suicidar-se pra parecer acidente. Seguros não cobrem danos auto-infligidos e nem suicídio, acho que devo ter dito isso em algum post desse ano. Que brega! Não, meus senhores, não vou tomar formicida ou raticida com guaraná e me sentar num banco de praça como fez aquele sambista que esqueci o nome agora. Era Alguma-Coisa Valente. Enfim, não vou me matar no reveillon e nem antes e nem depois. Quer dizer, não imediatamente depois. Não quero começar o ano dos outros assim tão deprimente quanto o meu. Fiquem sossegados que, quando eu resolver finalmente sair dessa tragicomédia que é minha vida, vou pensar numa forma de não comprometer as lembranças das pessoas que souberem disso, não vai ser em data comemorativa, nem no meu aniversário ou coisa assim, vai ser num dia comum, um dia sem nada de especial, como eu. Isso se a Vida não me sacanear, como eu acho que vai, e me matar da forma mais sorrateira e patética num dia bacana. Que merda, hein?, meus senhores?! Que merda.
Tenho pensado muito em sair daqui, dessa cidade, desse país. Isso daqui não é pra mim. E talvez eu devesse procurar onde é este lugar no qual eu me sentiria como parte, teria aquela sensação de pertencimento que eu pareço sentir só na BCE... Que ridícula sou eu... Que tipo de pessoas só se sentem bem num ambiente tão anônimo e empoeirado como a BCE?! Definitivamente preciso fazer algo a respeito da minha vida antes que eu realmente me convença de que nada disso vale a pena e salte pra o Nada.
Talvez só seja a merda da véspera do ano novo, meus senhores... Ano novo... pra quem? Pra mim, com certeza não vai ser. Nenhum ano é novo pra mim desde que eu percebi quem eu sou e qual é o meu papel neste mundo, nenhuma das respostas à estas perguntas são minimamente otimistas... Whatever... whatever...
Janeiro será o mês da decisão pra mim, meus senhores. Não, não se trata de esperar milagres. Trata-se d’eu cair na real. Eu preciso cair na real. Preciso em ater ao que é concreto, real, pra valer. Preciso me definir melhor como adulta, como pessoa. Aparar as arestas que podem ser aparadas, aquelas que estão nas minhas mãos e que eu estou continuamente deixando de lado. Janeiro, meus senhores. Mas parece que janeiro só chegará no próximo século. Parece que eu preciso esperar uma eternidade até janeiro... A merda toda é que antes de janeiro existe essa bendita celebração, esse Reveillon, essa festa que as pessoas fazem, pra onde as pessoas vão, na qual eu já estive também, mas – impressionante isso – nunca feliz...
Tudo o que eu não precisava agora era receber um e-mail que, inclusive, já apaguei definitivamente. Mas como apagar as palavras que se agarram nas pilastras da memória? Eu não quero passar por isso de novo, não quero relembrar, não quero tentar nada. O passado não se apaga. O passado permanece. Estou impregnada por ele, transpirando-o pelos meus poros, ruminando-o. e é bom que assim seja. Alguns equívocos não precisam ser relembrados constantemente, mas não devem ser esquecidos jamais. E eu me equivoquei gravemente. Chega. Não é porque estou num dia auto-lesivo que eu vá estender isso pra qualquer pessoa, ao contrário, muito pelo contrário, meus senhores! Eu sou tenho mais é que ficar em quarentena pra não prejudicar ninguém. No máximo, conversar com alguém pelo messenger porque aí dá pra eu fazer de conta que está tudo bem. Ninguém vai ouvir minha voz vacilante, e nem muito menos olhar essa minha cara de derrota, de quem não dormiu direito, e que provavelmente andou chorando, ninguém merece uma visão dessas. As pessoas estão se preparando pra ter um início, pra um recomeço, na verdade, uma nova chance de fazer as coisas melhores, de terem um ano melhor. Quem é precisa desse balde de água fria que sou eu ao vivo e a cores? Ninguém! Por isso é que eu preciso ficar em casa, preciso ficar aqui bem quietinha até que isso tudo passe, ou pelo menos até que pareça ter passado. Estou triste e quero ficar sozinha. Pelo menos a isso eu tenho direito, não?
Daqui a pouco eu tento dormir um pouco mais. O colchão está ali no chão me esperando. Não estou com sono, mas meu corpo está cansado. Provavelmente está exausto de mim, este parasita. Que corpo gostaria de abrigar uma mente como a minha? Só este mesmo. Eu jamais poderia ser diferente do que sou. Meu corpo sou eu, eu! Nenhum outro corpo transpareceria quem eu sou como este, magro, anguloso, desproporcional. Pena que o Schiele não me conheceu... Eu seria sua modelo perfeita. Talvez não, talvez ele me odiasse porque não haveria mais nada que ele pudesse deformar em mim, eu sou uma de suas pinturas, mas eu vivo num mundo que parece ser povoado por Michelângelos, Rafaeis, Renoirs, e... whatever... Ele teria me odiado... E eu amo as suas pinturas! Eu me reconheço nelas. Naquela solidão de ossos desajeitadamente expostos por peles que não são o bastante pra contê-los, carnes parcas e podres. Aquarelas tristíssimas. Eu me vejo ali, eu me reconheço ali. Eu nunca poderia gostar de Renoir como eu gosto de Schiele porque eu nunca seria uma das mulheres gorduchas, rosadas e sorridentes do Renoir. Meu corpo é o retrato do que eu sou e não há abundância de nada em mim, nem de carnes, nem de virtudes, só de auto-comiseração, mas acho que essa é uma daquelas grandezas de valores negativos, então quanto mais auto-comiseração, mais magra, menos carne, menos tudo o mais... Minha cor não poderia ser outra, tem que ser assim mesmo, pálida. Nem branca rosada como os brancos são, nem escura, definidamente escura, como a pele dos negros. E, assim como estou numa trincheira entre o real e o imaginário, meu corpo tem que ser assim também, tem que ser magro, anguloso, sem curvas, sem atrativos, eu não poderia ser nem alta e nem baixa, nem branca, nem negra, nem tão agudamente feia e nem esplendidamente bela. Preciso parecer o que sou: no limite, mas um limite enevoado, longe de ser nítido. Porque nada há em mim que seja nítido, bem definido, preciso. Eu sou o que sou, não é? Já quis tão ardentemente ser outra coisa e parecer outra coisa, às vezes qualquer coisa, mas não dá. Talvez isso funcione pra outras pessoas, com problemas de identidade bem piores que os meus... Eu sou isso daqui mesmo, não tem jeito, sinto muito, meus senhores... eu sinto muito mesmo.
Será que essa crisálida um dia será rompida?