domingo, janeiro 22, 2006

meu pai

Ontem fui visitar meu pai na casa do meu irmão mais velho.
Fiquei tão triste ao vê-lo deitado naquela cama, o ar alienado... Ele me pareceu mais velho do que nunca.
O lado esquerdo está praticamente todo paralisado, e ele só às vezes consegue abrir e fechar a mão esquerda. O lado direito está bom, mas não dá conta do corpo todo, então ele não se levanta sozinho, e come com muita dificuldade.
Eu fiquei lá ao lado de sua cama, depois ao lado de sua cadeira na varanda, dei-lhe água, suco, bolo, caldo, maçã, cortei e lixei suas unhas, ajeitei o travesseiro, a almofada, o banquinho, a bandeija... Fiquei com ele a tarde inteira e até à noite quando minhas irmãs chegaram.
Conversamos pouco, comentários sobre o que passava na tv. Eu estava bordando e, de repente, me deu uma sensação de que eu estava bem, eu estava viva. Totalmente egoísta isso, mas foi o que senti. Não me senti mal em nenhum momento por estar fazendo as coisas pra ele como eu imaginava que me sentiria. Não senti pena dele, ele fez por merecer. Mas eu senti pena do esforço dos meus irmãos, muito maior que o meu: minhas irmãs e meus irmãos deixam suas casas e suas obrigações com suas famílias e vão lá, fazem comida, dão banho nele, trocam a fralda (isso sim é que é deprê...), lavam suas roupas, seus lençóis, estão gastando com remédios, comidas, as benditas fraldas que são caríssimas.
Eu só fiquei algumas horas.
Final de semana que vem eu volto lá.
Acho uma pena não ter nada o que conversar com ele que é meu pai mas nunca soube nada sobre mim e eu nunca soube nada sobre ele. Vivemos em tempos muito diferentes, ele é quase octagenário, nordestino, acostumado com a rudeza, acostumado com feijão, farinha e rapadura... A vida dele foi dura e ele foi negligente com seus dez filhos. Negligente de maneira cruel às vezes. E agora depende de nós, seus filhos. A vida é bem estranha.
Mas eu confesso que depois de ter visto minha avó vegetando, meu tio com Mal de Alzheimer, e meu pai assim, eu quero é aproveitar enquanto estou viva e lúcida, embora tudo seja uma bosta, embora minha baixa auto-estima me afunde em lamúrias e auto-comiseração, embora tudo pareça irremediavelmente perdido, eu quero estar viva, eu quero andar, eu quero sair por aí, quero dançar, comer, beber, ler, escrever, só ou com minhas amigas e amigos, porque isso tudo pode acabar sem mais nem menos...
Eu não quero morrer, mais do que isso: eu não quero ficar inválida.
Não quero meus irmãos se desgastando fisicamente, financeiramente ou emocionalmente por minha causa.
Não quero ficar doente assim nunca!
E fico feliz por estar podendo andar com minhas próprias pernas e cometer meus próprios enganos e tentar ficar bem por minha conta e risco.