vinte e sete de janeiro
meu pai está piorando, disse-me minha irmã. recusa-se a falar com qualquer pessoa e não quer comer mais quase nada.
penso nele e a imagem de minha avó materna definhando naquela cama me vem involuntariamente.
lembro da última vez em que o vi, seu olhar perdido de menino, de criança boba. os olhinhos azuis sem conteúdo, aquele cabelo branco totalmente fora do contexto daquele rosto, daquele sorriso bobo. sinto pena e uma ternura que jamais senti antes por ele.
lembro de uma foto em que estou sentada no colo dele brincando com qualquer coisa. eu tinha uns dois anos e não sabia de nada. nunca mais serei feliz assim.
tenho medo de que meu pai morra.
ele foi realmente um péssimo pai, mas eu sinto carinho por ele, não posso negar. como sempre, eu sou o vira-latas que os outros chutam e ele fica acuado, nunca avança, só gani e espera um gesto de compaixão de alguém. alguém, qualquer pessoa.
não quero que ele morra assim, tão arrasado, tão depedende daqueles a quem sempre negligenciou, vivendo da nossa pena, da pena de seus filhos que ele nunca amou ou respeitou. acho que isso deve ser a pior coisa que já aconteceu a ele.
e se agora eu choro é porque tenho medo de ver cair um homem que já foi muito forte e que uma vida bruta transformou no que ele é hoje. tenho pena do meu pai.
tenho pena de mim porque não consegui nunca ser sua filhinha querida. e só eu sei como me fez falta ser a filha querida de alguém...
e agora ele está lá, abatido, como um animal acuado, tendo que enfrentar seus demônios, tendo o peso da vida mal-vivida nas costas.
não queria que meu pai morresse assim.
e a quem alguém como eu poderia rezar na esperança de ser ouvida?
a que deuses eu pediria pela vida do meu pai?
1 Comments:
http://www.azlyrics.com/lyrics/coldplay/talk.html
Postar um comentário
<< Home