nos ônibus
Eu ouvia John Coltrane no ônibus. O motor era tão desgraçadamente alto que provocava um ruído no fundo. Mas nada que o sax divino dele não tirasse de letra. É estranho ouvir música prestando atenção no que está além da música, no fundo, por fora, os ruídos que tentam contaminar as melodias perfeitas. Pior é que eu simpatizo com os ruídos, desde que não me acordem.
Gosto de sentir o calor preguiçoso do sol poente acariciando minha pele pálida junto com o vento frio entrando pelas janelas. A luz dourada e frouxa que me toca, lambe as folhas das árvores, a grama, o asfalto, a poeira, e vai se despedindo do dia. Se espreguiça e vai vestir seu pijaminha de estrelas pra adormecer no colo da noite.
Tenho estado mais contemplativa ultimamente. Tenho prestado ainda mais atenção à natureza ao meu redor, à paisagem urbana que rasga o Planalto. Talvez eu termine meus dias como mais uma hippie velha e suja... Que merda.
Eu queria uma vida simples. Cercada por coisas simples. Ao invés disso, ganhei uma consciência que só me serve pra atormentar... Olhos grandes que só servem pra me atormentar. Uma cabeçona que me confunde o tempo inteiro e um coração carro popular 1.0 numa ladeira...
“...pelas esquinas que eu andei
nenhuma delas te encontrar
mas eu tô sempre por aqui
quando quiser é só chamar
andando reto sem destino
vivendo sempre do passado
não quero mais me desmentir
eu não vou mais te procurar...”
Como sempre, desencanto-me cada dia um pouco mais com os homens. Não, meus senhores, nada aconteceu e é precisamente este o problema. Eu sei que o problema sou eu, eu ando em descompasso com o mundo. Eu sempre quero demais. Eu sempre quero alguma coisa o tempo inteiro.
e eu não tenho paciência
não quero ter
o que é pra ser meu,
que seja
se não for,
foda-se!
há tempos não tenho 17 anos
aos 17 eu esperava porque queria esperar
achava necessário dar tempo ao tempo
o tempo, aos 27, é muito diferente hoje
corre diferentemente
eu não corro, nem ando,
mas se for preciso afio as garras e me lanço em vôo cego sobre a presa
mas cadê a presa?
o vôo cego, melhor dizer míope
sou míope
tenho 27 anos
e tenho pressa
quero agarrar a vida pelos cabelos e dar na cara dela
porque é assim que se lida com as vadias, não é?
estou amaríssima agora
café sem açúcar
odeio café sem açúcar
me sinto assim
amaríssima
saiam de perto, meus senhores,
me deixem passar, me olhem de lado
me deixem quieta
olhem pelo canto do olho
e eu sumi
não tenho vontade de esperar pelo possível
cansei de esperar pelo ideal
se vocês me olharem bem, meus senhores,
verão a pele marcada
foda-se tudo o que me desagrada
egocentrismo é um câncer
morrer de câncer é só uma questão de tempo
mas eu não vou esperar pelo melhor
pensamento positivo é a vovozinha!
a vida me fez cansar de esperar pelo melhor
odeio esperar
não espero mais por porra nenhuma, só por ônibus
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