Para: Mim
Abri a porta de ferro lá de baixo e, ao entrar, voltando hoje da casa do meu pai (ele está bem, até reclamando da festa de aniversário da vizinha porque não pode ir lá encher a cara...), pensei que eu realmente gostaria de receber uma carta. Esta semana, cheguei um dia e vi um envelope no chão da portaria, daqueles clássicos, brancos com a borda em verde e amarelo, e embora eu soubesse que aquele não era um envelope endereçado a mim, eu o apanhei do chão e quis que estivesse escrito meu nome logo abaixo de “Para”. Era uma carta para o vizinho da esquerda. Que pena... Queria tanto que fosse pra mim... Mas quem haveria de me escrever? As pessoas que conheço agora só me deixam, quando muito, um ou outro scrap no orkut e eu já fico feliz só com isso. É o que faço também, sou uma amiga negligente, dessas que esquece principalmente aniversários de pessoas que ama... Raramente ligo pra perguntar “e aí, como você está?”, mas eu me lembro das pessoas. Penso nelas constantemente. Meus amigos. Minhas amigas. Pessoas que eu amo muito e que nem sempre acho que existe uma reciprocidade, mas, enfim, não sou de ligar pra ninguém. Diante disso, quem me escreveria? O Girassol me escreveu algumas cartas, mas elas foram queimadas no Ritual de Desintoxicação, na fogueira no chão da cozinha dentro da lata de sustagem... Pena que minha memória delas também não foi queimada, evaporada...
Eu lembro que gostava de escrever cartas também, longas, e com minha letrinha redonda de quem gastou muitos cadernos de caligrafia. Eu escolhia papéis coloridos, envelopes coloridos, mas gosto de caneta preta.
Hoje em dia, pra quem eu escreveria? Quem dispõe desse tipo de tempo?
Acho que escreverei cartas pra mim mesma. Tem certas coisas que não se pode pedir aos outros. Tem certas coisas que não se pode simplesmente esperar que os outros adivinhem ou que aconteça naturalmente. É por isso que eu comprei perfumes masculinos: gosto deles e não posso esperar pra ter um homem perfumado por perto: uso eu mesma. É por isso que eu me dou pequenos presentes e me permito ser mal-humorada e preguiçosa até comigo mesma, porque, afinal, não se pode esperar muito dos outros quando não se faz muito pelos outros e eu acho que faço pouco e, mesmo assim, não penso em redirecionar esta atitude.
Descobri que gosto de ficar na minha, como um prédio: quem quiser conhecer, visitar, estou acessível, mas nem sempre e nem a todo mundo porque todo mundo é gente demais... Pode ser uma metáfora idiota, meus senhores, mas é isso aí.
E tudo o que eu queria, quando chego exausta em casa, era ver no chão da portaria um envelope branco de bordas verde e amarelo com o meu nome no destinatário...
...
Minha irmã me disse, semana passada, que se não fosse a doença do nosso pai, ninguém passaria tanto com ele, especialmente eu, que nem nos almoços de família apareço. Concordei com ela. Não havia o que dizer porque essa é a mais pura verdade: nos afastamos o quanto pudemos do convívio com nosso pai, especialmente eu. Não sinto nenhuma culpa por ter me afastado, e a mágoa pela negligência dele, continua. Mas não reclamo desses domingos em família, eles são bons e calmos, exceto pelo terrível gosto musical do meu irmão que mora lá, e da programação pra lá de trash na tv aberta que me pai assiste.
Minhas irmãs falam, eu tricoto. Meus irmãos entram e saem, eu tento pintar alguma coisa. Minhas sobrinhas dançam, pula, gritam, e fazem todas essas coisas que as crianças fazem e irritam velhas rabugentas como eu, mas olho sobre os óculos e às vezes até sorrio e continuo a lixar as unhas do velho pai.
Falo pouco, não há muito o que eu possa dizer, mas isto não me incomoda, ficar calada, o que às vezes me importuna é ouvir... É, definitivamente o que mais me incomoda são as “músicas” que meu irmão ouve, só pra confirmar a minha tese de que a qualidade da música ouvida num carro é inversamente proporcional ao volume do som, ou seja, ele ouve as piores atrocidades cometidas contra a Música, no último volume...
*suspiro*
Ver "domingo da gente" com aquele insuportável pagodeiro me parece menos pior...
Semana que vem tem churrasco pra comemorar o aniversário de outro irmão. Bem, eu tenho uma porção deles, tem sempre alguém fazendo aniversário, especialmente os sobrinhos. Agora até que acho bom ter família grande. Agora que estou morando sozinha e posso me dar ao luxo de chegar em casa e achá-la do mesmo jeito que estava quando saí. Agora que não preciso mais me trancar de noite no banheiro pra poder chorar sem ninguém ver...
Não reclamo de ir à casa do meu pai, mas confesso que sinto falta de ficar em casa sozinha um dia inteiro, de usar meu domingo só pra não fazer absolutamente nada. Sinto falta do meu domingo, porque agora ele é o domingo da casa paterna... Enfim, do jeito como ele está melhor, em breve terei meus domingos de novo só pra mim. Talvez eu volte lá vez ou outra, mas não gosto de sair de casa aos domingos. Não mesmo. Só se for o caso de um cineminha no final da tarde, mas é que cinema é cinema...
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