sábado, agosto 06, 2005

Mono VI

– Agora eu tô bem acordada. Não tenho sono. Se eu dormisse, sonharia com o quê? Melhor continuar acordada. Essas paredes me incomodam. Mal posso esperar pra ver a claridade. E esse barulho?! Essas vozes, esses gritos vêm de onde? Pára! Pára! Pára! Ah, o trem... Eu me lembro de já ter andado num trem. Era uma manhã bonita. Nem era primavera ainda, mas o dia, as coisas pela janela pareciam bonitas, delicadas. Até os barraquinhos dos pobres as bananeiras aqui e ali o arame farpado se estendendo por quilômetros de muro umas florzinhas laranjadas salpicadas no mato verde o asfalto gasto as pessoas sonolentas as colegiais as lojas decadentes tudo tudo tudo parecia mais gracioso. Sabe, eu gostava quando o trem entrava num túnel e ficava tudo escuro porque quando a gente saía, nossa, era lindo! Especialmente nesta manhã...
– Nessa. Naquela manhã.
– É, isso, naquela manhã. Todas as cores eram novas. Acho que deve ter chovido na noite anterior porque todo o verde estava mais vivo, bem verdinho mesmo. Eu gostava tanto! As coisas acabam, passam, e a gente nem tem tempo pra se despedir...
– Você viu televisão demais.
– Eu nunca fiz nada demais. Eu nunca fiz o bastante. Eu não vivi o bastante. Eu queria que chovesse agora pra que o verde ficasse mais verde.
– Não há verde aqui.
– Assim ainda assim.
– Não chove aqui.
– Ainda assim.

(30/03/05)