sábado, agosto 06, 2005

Mono IV

– Eu tenho medo das garotas.
– Eu também.
– Eu não gosto de animais.
– Eu não gosto de crianças.
– Eu acho que fiz algo terrível. Me lembro dos outros milhões e milhões de olhos me perseguindo, me perseguindo. É, deve ter sido terrível. Mas e se eu não tiver feito nada? Eu nunca fui de fazer muitas coisas... Boas ou más, eu nunca fazia muitas coisas.
– Ela nunca esteve tão bonita quanto naquela noite.
– É, eu sei. Me lembro da textura da pele dela, dos cabelos macios. Tão pretos que pareciam um prolongamento da própria noite. Era bonito vê-la daquele jeito, tão tranqüila, tão serena. Nenhuma lágrima.
– Nenhum sorriso.
– Me lembro dela deitada na grama, os cabelos molhados do sereno da noite, a boca entreaberta, as mãos, o vestido. Eu sempre gostei daquele batom que ela usava.
– Eu também.
– Ela nunca esteve tão bonita.
– No que será que ela estava pensando?
– Em nós, talvez.
– Eu sempre a odiei.
– Eu também.
– Desde a primeira vez em que a vi eu a odiei com todo o meu coração. Espero que ela esteja morta! Morta!
– Ela está. Você sabe disso.
– HAHAHAHAHAHA! Você viu a cara deles? Você viu? Ninguém nunca poderia imaginar, eles diziam. Mas é claro que ninguém nunca poderia imaginar! Eles nunca souberam de nada! Nunca conseguiram enxergar um palmo diante do nariz! Como eles poderiam... como eles imaginariam isso? Gente idiota! Nunca imaginaram nada! Eles e suas vidinhas idiotas... O que, como, como, como eles poderiam saber qualquer coisa sobre mim? Eu não sou como eles. Eu não sou como eles.

(24/03/05)