Mono II
– Ei, ei? O que é isto?
– Cadeira. Eu chamo de cadeira.
– Hum. E para que serve?
– Para nada.
– Nada?!
– Nada.
– Por que você fez uma coisa que não serve para nada?
– Porque eu posso.
– Mas por que você não fez algo que servisse para alguma coisa?
– Porque as coisas inúteis são melhores. As coisas inúteis são muito mais interessantes. As pessoas param para olhar as coisas inúteis.
– Acho que eu só fazia coisas que serviam para alguma coisa. Eu sei que fiz, uma vez, algo que era útil.
– Possível. Criaturas como você não têm capacidade para criar livremente, têm sempre que ter um fim predeterminado na cabeça.
– Mas é bom fazer coisas úteis.
– Bom para quem? O que você sabe sobre o que é bom?
– Não sei. Mas acho que eu soube um dia. Eu me lembro... Acho que... Sim! Eu fiz sim! Fiz de papel e aço escovado. Usei muitos parafusos e cola também e ficou tão... tão... me lembro que...
– Lembro-se.
– Pára! Pára! A lembrança é minha e eu me lembro-me do jeito que quiser!
– Tola, tola, tola. Tolinha. Você não aprende nunca.
– Aprendo sim! Eu... eu já aprendi coisas um dia, tenho certeza! Eu já soube criar noites, preencher sonhos, andar de bicicleta, montar quebra-cabeças, falar de trás pra frente, destruir universos, comer suspiros, correr bem rápido, odiar um amigo, matar um amor, chorar em despedidas, mentir, colecionar selos, fazer palavra-cruzada.
– E o que você sabe agora?
– Não sei. Agora é uma coisa assim tão estranha... Ontem eu deslizava em trajes de veludo turquesa, mas hoje... agora... O que é o agora?
– É tudo quanto você agarra com a mão e escorre por entre seus dedos e, na verdade, nunca esteve lá.
– O que é uma mão?
– Você não compreenderia.
– Me diga! Me diga o que é uma mão!
– Você jamais compreenderia.
– Isto é uma mão? É?
– Para saber, você precisa ter olhos de ver as mãos e tocar nelas e segurar o agora que nunca existiu.
– Não quero saber de mãos.
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home