sexta-feira, fevereiro 10, 2006

oito de fevereiro de dois mil e seis

O arroz, o feijão, a salada e o bife têm o mesmo gosto de perdi-o-apetite...
Acabei de ver O Girassol, e a julgar por sua saída mais que sorrateira, ele me viu também.
No momento não me ocorreu que eu pudesse ir lá cumprimentá-lo. Na hora, nada me ocorreu que realmente valesse a pena. Nada além de “vá em outra direção, estúpida!”.
No entanto eu gostaria que isso parasse, que pudéssemos superar as animosidades e simplesmente nos cumprimentarmos civilizadamente e que pudéssemos trocar longos e-mails sobre as misérias dos nossos cotidianos tão pouco interessantes.
Ele continua o mesmo – exatamente o mesmo – por fora, mas me interessa saber como está por dentro...
Amor? Não, não, meus senhores, isso já foi sublimado. Permanece a vontade de restabelecer um tipo de diálogo que só com ele pude ter. Houve uma conversa entre cartas que diziam muito, entre nossos silêncios... e ele me dizia coisas sobre si que não dizia a mais ninguém e eu me sentia tão bem por ouvi-lo, por abrigar suas coisas tão pessoais... e havia o fato dele escrever bem. Talvez isso tenha feito toda a diferença: ele escrevia bem. Eu realmente gostava de ler o que ele escrevia. Nunca mais houve isso. Antes também não houvera.
Sinto falta dessa intimidade forjada em diálogos compridos, doces, mudos, tímidos, que demoravam pra ser escritos e depois pra serem lidos...
Sinto falta da risada dele.
Sinto falta da voz dele.
Sinto falta dele me explicando os textos que andava lendo com uma naturalidade tão só dele. Eu me apaixonei por uma sensibilidade que me destruiu, isso é fato, mas esta mesma sensibilidade me fez ver tantas coisas que eu nem saberia dizer.
Amor? Não, não, não obrigada. Mas eu queria os diálogos. Queria muito voltar a conversar com ele. Mas como? Como? Não sei se poderia olhá-lo nos olhos sem odiá-lo pela dor que impôs ao meu coração já tão alquebrado... e... e, no entanto, cá estou eu, ansiando por um pouco de seu tempo, de suas palavras...
Eu engulo a massa insossa, assim como durmo pr’acordar todos os dias. Acordar num novo dia, um diazinho tão novinho em folha quanto ontem.
...

A lua, agora, está da cor das nuvens ralas que tentam preencher o céu desse sol que já vai se pôr. Porque no horário de verão deveria ser noite e ainda é dia. Até a lua sai antes do tempo...
Estranho como tudo parece congelado, petrificado, até o calor, o suor que me escorre margeando o rosto, o fedor daquele esgoto logo ali, tudo. Acho que já vivi este exato momento milhões de vezes.
Mas, ei!, um passarinho de barriga amarelo-limão cisca uns degraus à minha frente. Ele é lindo, gracioso e breve como tudo o quanto é bom.
...

Resultado imediato da endoscopia do meu pai: ulcerações do estômago até a garganta. Se tiver uma hemorragia, disse a médica, dificilmente escapa. Minhas irmãs me mantêm informada. De longe, eu penso nele, receio por ele. De longe, sou tão útil quanto sempre fui... Mas não tenho coragem de tomar responsabilidades pra mim; não consigo me imaginar dormindo no hospital. Não, eu odeio hospitais! Eu os odeio! Mas tenho que ir durante o final de semana pra ficar durante as tardes. Ninguém me disse isso, eu me ofereci. Não sei como suportarei isso, mas devo ir. Resignação. Resignação!
...

Minha avó morreu. Descansou, prefiro dizer. O corpo, já quase nada, volta ao pó. A alma?, bem, isso não sei não, senhor, porque nem mesmo sei se ela existe... mas, enfim, minha avó, Iaiá, morreu. Agora tia vai descansar um pouco também antes que chegue a sua vez de deitar-se e não mais levantar. Gosto da tia... devo ligar pra ela quando eu me lembrar.