Tenho coisas pra fazer, mas as negligenciarei momentaneamente em favor da escrita. Preciso escrever. Preciso escrever! Sim, um desabafo composto de várias várias várias coisas que me perturbaram a concentração ao longo do dia e sobre pensamentos que saltaram sobre mim nesta última hora.
Não, meu senhores, não caberia ligar pra um amigo ou amiga, não é esse tipo de desabafo que eu tenciono fazer, é um outro, de outra natureza e finalidade: um monólogo, ou antes, um solilóquio. Preciso desabafar pra mim mesma, segredar-me coisas, falar-me livremente sem correr o risco de ser interrompida no meio da narração, da explanação, das comparações, dos dramas... enfim, preciso não de um interlocutor, mas de paciência.
A última coisa na qual comecei a pensar e que me fez querer derramar palavras e mais palavras a respeito foi uma conversa com um colega de trabalho que me deu uma carona. Cabe esclarecer várias coisas a partir daqui: em primeiro lugar,
eu não pedi carona a ele. Nem hoje e nem nunca. Ele me oferece carona de vez em quando porque passa, necessariamente, aqui por perto de casa.
Algumas vezes, não é todo dia. Não acho que seja descortesia da parte dele não oferecer todos os dias, ao contrário, acho que ele está coberto de razão de ir e vir sozinho. E se ele nunca mais me oferecer carona, não acharei estranho, não ficarei magoada, nada. Mas, enfim, eu vim com ele. Normalmente falamos sobre os problemas no trabalho, sobre música, generalidades, coisas leves, nada filosófico, hermético ou íntimo. Mas hoje conversamos sobre a questão de não mais sairmos com a freqüência e intensidade de tempos atrás, tanto eu quanto ele. Acho que ele é uns anos mais velho que eu, ou seja, é um balzaquiano. Hoje ele comentou que está mais sem sair porque seus amigos estão casados e o pessoal de outro círculo ainda é jovem demais, tem outras diversões e encaram as “baladas” de outra forma, se concentrando na pegação e etc., e ele não, ele me disse que é “mais tranqüilo”. Conversamos um pouco sobre isso, e eu disse que nunca passei por essa fase de ficar com vários caras numa festa, que preencher a cartelinha de beijos nunca foi meu forte embora seja legal e tal, mas não como as pessoas costumam fazer, nessa ânsia de ter que ficar. Deu pra entender que ele não tem namorada. Mas o que desencadeou a torrente de pensamentos foi o fato de, ao sair do carro, eu me dar conta de que ele é o único solteiro do trabalho e que, além das suas qualidades inerentes, isso por si só já faria muita mulher se interessar por ele. Bem, ele é bem legal, divertido, o tipo que faz gracinha sem parecer idiota ou infantil. E é bonito, alto, tem ombros largos. Definitivamente um cara para o qual eu olharia se me fosse dada a oportunidade. Mas o que, pra mim, significa pegar carona com o único solteiro de lá? Na verdade significa que poderíamos ficar amigos mais facilmente já que eu não correria o risco de ofender ou enciumar uma esposa/namorada. Eu sou ciumenta, sei como é difícil imaginar o cara que a gente namora passando a maior parte do tempo com uma amiga e não conosco... Não penso que poderia sair mais nada do que uma amizade bem legal e oportuna pra mim, afinal ele mora aqui perto, gosta de cinema, vai a festas quando pode e é divertido. Eu sou péssima em fazer novas amizades mas sei o quanto é importante aumentar o círculo de amigos, especialmente no trabalho porque, afinal, eu passo muito mais tempo lá. Seria bom ter um amigo “no meio”, poder ir ao cinema depois do expediente, conversar mais abertamente, contar e ouvir coisas bem pessoais, e não só generalidades. É sempre bom ter um amigo por perto. Mas sempre me freio por temer uma interpretação equivocada do meu interesse e, depois de me saber interesseira (ver alguns tópicos anteriores...), agora é que fico realmente com medo de passar por algo que não sou. Eu não quero nada dele além da amizade. Sinto-me deslocada lá, embora me esforce ao máximo pra não transparecer. Ele é um cara legal e a gente conversa numa boa, acho que isso é mais do que um bom começo pra nos tornarmos amigos. Eu gostaria de estreitar vínculos com as mulheres de lá, mas fico sempre com a impressão de que elas gostam de mim só até certo ponto e, desconfiadas que todas as mulheres se sentem pelo meu aspecto, além do mais, a maioria delas está naquela esfera das mulheres mais velhas, casadas, separadas, com filhos... outro nível de realidade que está a alguns anos luz do meu... Tem uma que é solteira e sem filhos, mas sempre fico receosa de me aproximar das pessoas e parecer uma força-amizade, sei lá. Vou ficando na minha.
Bem, eu pensei em tudo isso e ainda pensei no fato de vocês, meus senhores, me indagarem a respeito de por que não forçar a amizade com o colega? Ah, meu senhores... além de não querer ser tomada por atirada e/ou interesseira, nada há que me iluda a respeito de qualquer outra coisa além deste conhecimento que já possuímos um do outro. Nem amizade profunda, porque confesso que ele não parece ser e nem nunca demonstrou querer ter amigas; tampouco jamais me fez qualquer menção a qualquer tipo de interesse em mim que não o fato de me dar carona de vez em quando. Sendo o tipo de mulher que eu sou, nada há que me iluda a respeito de eu poder vir a ter qualquer relacionamento com qualquer homem, sendo esse colega em particular menos provável ainda. Este foi o ponto que me fez apressar o passo pra chegar em casa e vomitar estas palavras. Não há nada que me leve a imaginar que alguma outra vez na vida eu terei um namorado. Nada nada nada, absolutamente nada, meus senhores! Ao contrário! Muito muito muito ao contrário! Estou convencida de que a resignação agora é meu único remédio e, a despeito da gravidade do fato, não sinto-me desesperada. Não, preciso é de resignação.
Explico-me da forma que parece mais inteligível: sendo a mulher que sou, com um histórico como o meu, tendo as idéias e valores que tenho, que homem neste mundo caberia a mim??? Nenhum, meus senhores! Não, não se precipitem em me julgar arrogante ou pretensiosa. Não sou boa demais pra todos. Minha auto-estima me diz que sou acima da média em termos de predicados, não de beleza física, o que já afasta boa parte dos homens de mim. Mas não é só isso: se só coisas boas acontecessem a pessoas boas – e, logicamente, me incluo nesta categoria –, qual seria o significado da palavra
injustiça em tal mundo? O mundo não privilegia de forma alguma as pessoas boas, o que acontece é por força do mero acaso, creio eu. Tampouco o mundo faz sofrer aos maus. Quando eles sofrem, é também fruto do acaso. Ah, meus senhores, vocês terão coragem de discordar de mim quando digo que, na maioria das vezes, os maus se beneficiam enquanto os bons tomam no cu sem preliminares ou KY?! Então! É isso o que digo, não acontecem só coisas boas às boas pessoas. Porque deveria ser eu uma espécie de
eleita? Amar e ser amada é algo que me parece improvável no meu caso. Bem, nem tanto amar porque sou dada a Romantismos totalmente fora de moda, mas ser amada... ah, meus senhores, isso equivale a ganhar na loteria: é coisa raríssima, embora aconteça com certas pessoas.
Há ainda um outro fator de ordem prática: tem poucos homens heterossexuais solteiros na mesma faixa etária que a minha disponíveis. Se eu for pensar nos que, além dos requisitos acima, ainda são inteligentes e divertidos... xiiii, este número deve cair ainda mais. Se ainda este homem for não fumante, bonito e monogâmico, pronto, acabou-se a lista! Não preciso sequer adicionar o último e, talvez, o requisito de maior peso: gostar de mim. Bem, talvez, com exceção do último item, talvez haja uns poucos espécimes de tal homem espalhados pelo mundo. Talvez. Acredito na existência deles tanto quanto na dos buracos negros, mas ainda não vi nenhum dos dois e é provável que qualquer um dos dois que eu visse me causasse perplexidade e fascínios idênticos.
Meus senhores, não pensem que menosprezei a existência de caras legais no mundo, se assim o fizesse, seria injusta com meus próprios amigos, a questão é que não creio que eu venha a contemplar um homem heterossexual, na minha faixa etária, solteiro, monogâmico, não-fumante, inteligente, divertido e bonito que esteja interessado em mim. Estou certa de que há muitos caras ótimos por aí, solteiros, e meus amigos estariam aí incluídos, mas a maior parte deles é galinha, não tem nada de monogâmico, ou isso ou então fumam, e, obviamente, não estão nem um pouco interessados em qualquer tipo de relacionamento comigo que não seja fraternal, daí serem meus amigos.
Assim é, pois, que me encontro nesta descrença quanto à esperanças de um dia vir a ter uma vida afetiva novamente por pura falta de matéria-prima, de recursos humanos...
Não, meus senhores, não me culpabilizo mais por isso. Chega. Sei que nada possuo de extraordinário, nem Beleza (mas não sou feia), nem posição social e/ou dinheiro (vivo endividada), nem inteligência (sou inteligente mas nunca brilhante), nem Coração (nunca tive vocação pra Madre Tereza). Nada de extraordinário, mas, afinal, quem o tem? E não é isso o que eu espero de um homem, nunca foi.
Eu tenho muitos atributos, o que me faz uma pessoa legal, boa de se conviver em termos sociais, e também tenho defeitos, o bastante pra ser “normal”. O problema não reside em mim. Sim, o inferno são os outros.
O problema é o maldito senso comum que me afasta do conceito de mulher desejável. Eu tenho piercings demais, opiniões demais e bunda de menos aos olhos da maioria esmagadora dos homens. O problema está na nossa cultura, não neles especificamente. Não julgo maus aqueles que me olham e vêem só uma menina esquisita. Eles foram criados pra serem assim. E, se fosse menos difícil tornar-me em outra coisa alheia aquilo que realmente sou, eu, por vontade própria, já teria, há muitos anos, deixado de ser assim e assumido uma postura mais cômoda que me garantiria pelo menos entrar no páreo por um par. Mas é menos difícil continuar sozinha. Então fiz minhas escolhas e tenho permanecido com esta aparência porque isto é menos difícil pra mim. Eu me reconheço assim, com estas idéias, esta cor indefinida no cabelo, estes óculos, estas calças quatro números maior do que o necessário, com este (mal) humor, com meus ideais e convicções. Eu sou assim e tento mudar não pra agradar ao senso comum, mas pra ser uma pessoa melhor pra mim e pra quem me cerca.
Felizmente meu humor tem sido bom nestes últimos tempos, do contrário, depois de tais pensamentos, eu estaria aos prantos, soluçando como uma garotinha desamparada. Mas, fazer o quê? Chega de desespero pelo que não tem conserto. Chega.
É, realmente vou precisar de todos os livros que puder reunir nos próximos anos pra me manter ocupada durante a velhice, especialmente depois da aposentadoria, se é que isso vai acontecer um dia.
E é justamente por saber da barreira intransponível entre mim e o sucesso no amor que preciso estar cercada por amigos. Por isso seria tão importante ampliar meu círculo de amizades, conhecer pessoas novas. Ficarei sozinha em não muito tempo, porque não pretendo constituir família, não terei sequer namorado, minhas amigas se casarão todas, meus amigos também. Alguns inclusive vão sair da cidade, e aí o que me restará? Só a MA, porque esta precisaria da minha mão pra afastá-la de mim... Preciso de amigos e livros, do contrário terei uma vida muito triste. Bem, consegui: fiquei melancólica agora...